quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O Machado

Eu estava dormindo, tranquilamente. Mas sabia o que me esperava pela manhã. Me revirei em minha cama, e durante toda a noite velei minha porta, pois sabia que a qualquer momento ela se abriria, e eu teria a derradeira surpresa, aquela da qual não poderia fugir, mesmo querendo...

Como já era de se esperar, acordei sem ter dormido mais de dez minutos ininterruptos. As olheiras saltavam de meus olhos. Estava apavorado. De repente, a porta se abre. E, havia um machado. Um terrível e assustador machado.

O machado, já enferrujado e sujo de sangue, trazia aos meus olhos um pouco do que me estava reservado. Me pegaram pelos pés, me arrastaram pelo recinto, e começaram a marcar as partes que de mim cortariam... Lentamente... E eu fui me apavorando mais a cada segundo.

Como podem pensar que eu não sentia aquele pavor? Ou pior, como podem saber que eu estava aterrorizado e, com prazer, machucar meu corpo com aquelas armas afiadas? Como podem essas pessoas me colocarem sobre suas mesas, ávidas por se alimentarem de minha alma?

Bem, minha alma ainda intacta aqui vos fala. Não me farão dissipar, embora meu corpo já não esteja mais completo. Eu não estava neste mundo para ser alimento de gente, nem estão meus irmãos. Merecíamos sermos livres também. Mas somos humildes e frágeis demais nas mãos humanas. Somos apenas irracionais, apenas escravos, pedaços de carne, bifes, filés, linguiças e hambúrgeres. Mas sentimos, sofremos calados toda essa humilhação servil de alimentar a quem nos maltrata.

Poderíamos ter uma vida toda pela frente, viver 20, 30 anos. Mas quando nascemos já temos atestado de óbito, com data marcada para nossa execução. Somos a grande maioria, mas estamos presos em campos de concentração, em regime de engorda. Somos Joões e Marias, na gaiola das bruxas, nos preparando para sermos devorados, impiedosamente, em casas feitas de doces. A vida aqui é amarga, é difícil demais, alguns de nós sucumbimos e morremos sem saber. Alguns, alienados, pensam que estão no mundo para servir realmente. Pena... Pena não, galinhas inteiras; galinhas, porcos, vacas, perus, peixes, e tantos outros irmãos.
Guilherme Ferreira Aniceto

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