quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Momentos de tensão

Quando o mundo te pressiona, você pressiona a si mesmo e fica no meio, pisado feito uma barata sem saber para que lado escorrer, o certo a fazer é desistir ou afrouxar a exigência? É empurrar com os braços fracos toda a pressão, ou deixar que escorra a frustração? Eu esqueci de exercitar a musculatura da minha motivação, agora ela não suporta o próprio peso. Um dia desses enlouqueço...

O que tenho a meu favor, além do sopro dos meus próprios pulmões contra uma tempestade, e um abraço amigo? O mundo é cruel. O mundo é injusto. O mundo não tem piedade de ninguém. O mundo parece girar em sentido anti-horário, só para contrariar o tempo. E o tempo é outro inimigo.

Sinto-me contrariado por todos os lados, exceto pelo amor que sinto. Amor esse que me dá forças, apesar de todos os golpes contra si. Esse amor que é forte o bastante para suplantar minha fraqueza de espírito é o mesmo amor que me salva de uma loucura. É o mesmo amor que me abraça durante a noite até que eu pare de soluçar e pegue no sono. É o mesmo amor para o qual dedico meus poemas mais bonitos e também os secretos, que ainda não escrevi.

E por falar em poesia, esta torna toda dor que sinto algo bonito, depois de senti-la dorida. Dói, e dói tanto que, para sair, somente palavras e ritmos são capazes de servirem de catalisadores para dores. Dói, e dói tanto que somente quando pesquiso nos confins da minha intelectualidade (ou falta dela) as palavras que exprimam dores, é que percebo que são inexprimíveis e considero que já inexistem.

Todavia, há um grande problema em considerar que não mais existem: as dores sempre existirão. E sempre ressurgirão, de tempos em tempos, para me lembrar de que não sou de aço, e também não sou de papel. Não me derreterei na chuva, e também não suportarei a tempestade. Não sou totalmente fraco, e não sou o mais forte dos lutadores. Não vencerei as batalhas todas, mas algumas importantes serão minhas.

Sigo em frente, basicamente ignorando os percalços mais doídos e eliminando os mais brandos. E quando tiver de enfrentá-los todos inevitavelmente, espero ser um pouco mais forte.

Guilherme Ferreira Aniceto

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Um clique

Éramos eu e um ponto de ônibus, somente.

Há pouco mais de um ano, tudo que eu tinha era um lugar cativo num ponto de ônibus. E era meu, porque toda noite eu estava ali, esperando. Perfeitamente normal.

O que muitos não sabem é que eu não esperava só. Ele esperava comigo, a alguns metros de distância, e esperava por mim. Toda noite ele ali se sentava, a me observar. Ele, que sempre falava com todos e sempre foi um bom comunicador, não conseguia dirigir-me uma palavra. Era amor à primeira vista (sim!).

Eu nunca havia pensado em abrir-me ao amor. Na verdade, me considerava muito ocupado para isso. Nunca reparei em seus olhares. Tampouco, cogitei um dia conhecê-lo.

Mas a vida, essa desregrada, encarregou-se de nos apresentar.

Ele já estava longe, a cerca de 300 km de distância de mim, a trabalho. As redes sociais nos apresentaram. Reconhecemo-nos num clique. E num clique também despertamos ao amor.

Eu, que já havia me machucado um zilhão de vezes, zerei o contador do amor. Recomecei.

Aos poucos, nos conhecemos. E em alguns meses, já estávamos juntos na mesma casa.

Hoje, somos felizes, nos casamos, temos nossos gatos e nosso peixe-beta. É nossa família.

E tenho um orgulho imenso de dizer que foi um ponto de ônibus que nos uniu, bastando para nos reunir um clique.


Guilherme Ferreira Aniceto

quinta-feira, 30 de maio de 2013

O andarilho do mar

Pelas estradas do mar o andarilho navegava, perdido em seus passos. Nunca soube por onde ir, e não seria a essa altura da vida que saberia. Mas nesse momento, nos seus trinta e tantos anos, algo estava diferente. Ele precisava encontrar um lugar em que pudesse lançar sua âncora ao mar, e permanecer. Ele queria uma família.

Diferente da maioria dos andarilhos, ele não naufragou num ponto qualquer do oceano. Ele andou, andou, andou, até que encontrou um pedaço de terra, cercado por água - uma ilha. Ali construiu sua casinha, com materiais que encontrou na própria natureza ao redor. Permaneceu nessa cabana por calmos anos, até que zarpou novamente em sua jangada, já surrada pelo tempo. A essa altura, ele já tinha seus quarenta e poucos anos.

Navegando contra a corrente que, depois de tantos anos, parecia mais forte, ele enfrentou tempestades, ondas que o engoliam e o regurgitavam na superfície do mar. Mas continuou sua jornada em busca do cais perfeito. Ele ainda queria lançar sua âncora, em algum lugar, de onde nunca sairia...

Foram alguns meses de viagem, até que um dia, dormindo ele foi dar no litoral de um vasto território, repleto de arranha-céus que pintavam o quadro de cinza. Ali, ele ficou maravilhado com o diferente. Para ele, era como se tivesse saído da Antiguidade e saltado ao século XXI, em alguns poucos anos. Foi ali que, maravilhado, o andarilho amarrou seu barco numa tora, e ficou por alguns anos, até se cansar da vida na cidade grande.

Quando se deu conta de que ali não encontraria o que procurava, decidiu ir embora e procurar novamente. Ele já estava na casa dos cinquenta anos, mas a vida naquele lugar o imprimira na face mais uma dezena de anos... Foi então ao porto em que deixara a jangada. Ela não mais estava lá. Outros andarilhos a haviam levado. Tamanho desgosto o fez sentar-se, por longos instantes e chorar. A vida em alto mar o deixara ingênuo. A vida na cidade o roubara a chance de ser feliz.

Foi então que ele se atirou ao mar, nadou até desmaiar e ser carregado novamente à cidade. Por mais que tentasse, não conseguia sair dali. A modernidade o prendeu e não havia o que fizesse para se soltar. Alguns meses de tentativas depois, o andarilho desiste de procurar. Passa a viver sozinho, com uma família de plástico que encontrou na cidade.

Nunca mais sorriu.

Guilherme Ferreira Aniceto

domingo, 24 de março de 2013

Legítima defesa

Foi ontem que alguém morreu por minhas mãos. É triste pensar nisso, mas foi legítima defesa. Eu juro! Ele me machucou primeiro, meu braço ainda dói desde sua investida contra mim, há exatas vinte e quatro horas. 

Estava eu, tranquilo, aproveitando meu sábado, e ele voou sobre mim, machucou-me o braço, e lá se foi a tranquilidade da minha tarde. Aquele inseto, totalmente despreocupado com a própria vida, ou com minha integridade física, deixou-me irado com sua tremenda violência e com a dor decorrente dela. 

Eu, em meu impulso de defesa, desacordei-o com um golpe de braço. Uma tapa foi suficiente para lançá-lo longe e destituí-lo de si. Então, foi com meus pés o golpe de misericórdia. Pisei-o fortemente, e dei cabo se sua vida. 

Aquele marimbondo – pobre! – deixou-me culpado por tê-lo matado. Talvez devesse tê-lo deixado viver, colocando-o longe de mim, pagar o mal com o bem. Talvez morrer fosse o correto a ele, para que outras pessoas, como eu, não sofressem de sua ferroada. Mas foi legítima defesa, eu juro! 

Só quem foi ferroado por marimbondo sabe como dói. E eu não tenho sangue de barata.

Guilherme Ferreira Aniceto

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Desculpe-me, é política

Quero falar de algo que me afeta diretamente. Algo que afeta meus amigos, que afeta minha família, que afeta a todos nós. Quero falar de política. Sim, política. Desculpe-me, mas é necessário. Afinal, imagine viver num país sem governo. É como um trem desgovernado, um navio a esmo no mar, um avião em turbulência, um carro sem freios, ou um cavalo manco. É um meio de transporte de riquezas e pessoas que não cumpre seu papel de forma adequada. Um país sem governo é uma bagunça só.

Quem diz que não gosta e não se interessa por política, acaba governado por quem gosta não só de política, mas de dinheiro também. O ser humano é ambicioso por natureza. Se nos deixamos controlar por alguém ganancioso, corrupção é inevitável. Sabemos de cada passo de nossos políticos. Sabemos que roubam na maior naturalidade, com a cara mais lavada do mundo e depois vêm pedir votos. Sabemos também que esses carniceiros saem ilesos de cada acusação. Mas somos um povo desmemoriado, ninguém se lembra de quatro anos de roubalheira diante de uma urna eletrônica.

Muitos estufam o peito e gritam: “Meu voto é nulo, ninguém é bom mesmo.” A começar pelos eleitores inconscientes, realmente, não há ninguém bom o bastante. Eleitor que anula o voto é eleitor nulo. Queremos mesmo fazer parte de um país no qual não somos ativos? De que adianta cobrarmos de políticos a ética, o compromisso com o dinheiro público e com suas promessas de campanha, se nem ao menos nos damos o trabalho de analisarmos as propostas, com pensamento crítico do qual todos somos capazes, e votarmos conscientemente?

Entristece-me um pouco quando me dizem que políticos são todos iguais. Não, eles não são. Costumo comparar a política a uma grande banca de maçãs numa feira livre. Cada maçã é um candidato, cada cliente um eleitor. Cada eleitor escolhe seus candidatos. Alguns escolhem qualquer candidato, e levam para casa maçãs podres. Alguns escolhem maçãs podres e maçãs sadias e, ao colocá-las juntas na fruteira, todas apodrecem. O ideal é sempre escolhermos maçãs sadias, todas elas! No entanto, os clientes, na pressa e na ignorância, levam qualquer maçã, ou não levam nenhuma, na desculpa de que todas elas estão ruins, sem se darem o trabalho de procurar por maçãs sadias. Procuremos as boas maçãs! Elas estão aí, sim, são escassas, mas existem!

Guilherme Ferreira Aniceto

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Meu limite

Sair de casa nunca foi um objetivo, mas se tornou a maneira pela qual fui capaz de ser feliz ao lado da pessoa que amo. No entanto, percebo que ainda sinto-me conectado à minha família de tal forma que necessito de aprovação. Como fazer para retomar o ponto de contato, em especial com minha mãe, outrora tão natural, para que eu possa deixá-la fazer parte de toda a felicidade que em mim habita? Sinto-me impotente em relação a isso. É uma batalha que ainda tenho a travar, embora por vezes deseje fugir dela...

Pensar em fuga me aterroriza, de tal forma que tudo perde o sentido. Fugir, quando é possível, ou mais cômodo, torna-se igualmente atraente aos olhos. É uma espécie de união do agradável ao útil (nem tão útil quanto seria enfrentar, mas útil ao conforto do silêncio). O silêncio torna-se uma justificativa para a manutenção da paz interior, enquanto ser relacional. No entanto, à noite, com a cabeça no travesseiro, minha mente trava guerras de pensamentos, nas quais o único ferido sou eu. Ferir-se é o preço a pagar pela ocultação da verdade.

Mentiras são consequências. Chances para desmenti-las sempre existem, e aparecem quando menos se espera. Mas a mentira, erroneamente chamada de omissão, está para ímã assim como minha boca e consciência estão para metal. É difícil dizer a verdade quando as contingências impelem para mentiras, cada vez maiores. É como cair num poço, e às vezes se agarrar em fissuras nas paredes. No entanto, como a queda já foi alta o suficiente, não é possível chegar ao topo. Assim, deslizar e cair mais um pouco é a coisa mais fácil do mundo.

É mais fácil manter tudo como está, às escondidas, por medo de não ser aceito ou de ser excluído pelos que mais amo. Mas não é saudável, não é correto e, acima de tudo, machuca de forma irreparável o peito, deixa o coração frágil feito folha seca. Qualquer pisada, fica inteiramente despedaçada. Com isso, chorar toda noite por não conseguir ser plenamente feliz e, o pior de tudo, saber que a culpa é minha, só minha, de tamanha insegurança, é inevitável.

Queria eu, penso com meus botões, ser mais corajoso, autosuficiente, confiante de mim, a tal ponto de ser totalmente verdadeiro comigo mesmo e com o mundo. Minha verdade se limita a quatro paredes, com o amor que eu gostaria que todos vissem... E é também esse o meu limite de coragem.

Guilherme Ferreira Aniceto

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Fluida

Tenho um defeito muito feio, o de dizer o que eu penso, sem pensar sequer numa palavra. As pessoas que mais amo se machucam frequentemente com meu desajeito com as palavras. É por isso que eu não sou do tipo que fala muito, sou do tipo que escreve demais. Por isso que as palavras residem no que eu sinto, e meus sentimentos se traduzem com papel e caneta, apenas.

Quando minhas mãos falam por mim, elas pensam melhor, elas sabem o que querem dizer, elas dizem o que devem dizer, e elas sentem mais intensamente que meu cérebro o que meu coração quer expressar. Minhas mãos são uma extensão de meu coração, por assim dizer.

Quando me perco no papel é quando me encontro realmente em quem sou e em quem desejo ser. Parece-me intensamente propício o campo que cabe em uma página em branco, para a autodescoberta e autoafirmação. Exijo que as palavras expressem exatamente o que se passa em meu peito. E elas obedecem a meus comandos, feito abelhas governadas pela rainha. São indiscutivelmente ótimas psicólogas e entendem perfeitamente aquilo que se passa aqui dentro.

Por isso, permito-me sempre alguns minutos todos os dias para escrever qualquer coisa que seja, nem que eu rabisque depois, apague ou rasgue a folha. É uma espécie de ritual diário de prática. É lindo perceber que as mesmas palavras podem conduzir a ideias totalmente diferentes, apenas dependendo da imaginação fluida.

Guilherme Ferreira Aniceto