quinta-feira, 30 de maio de 2013

O andarilho do mar

Pelas estradas do mar o andarilho navegava, perdido em seus passos. Nunca soube por onde ir, e não seria a essa altura da vida que saberia. Mas nesse momento, nos seus trinta e tantos anos, algo estava diferente. Ele precisava encontrar um lugar em que pudesse lançar sua âncora ao mar, e permanecer. Ele queria uma família.

Diferente da maioria dos andarilhos, ele não naufragou num ponto qualquer do oceano. Ele andou, andou, andou, até que encontrou um pedaço de terra, cercado por água - uma ilha. Ali construiu sua casinha, com materiais que encontrou na própria natureza ao redor. Permaneceu nessa cabana por calmos anos, até que zarpou novamente em sua jangada, já surrada pelo tempo. A essa altura, ele já tinha seus quarenta e poucos anos.

Navegando contra a corrente que, depois de tantos anos, parecia mais forte, ele enfrentou tempestades, ondas que o engoliam e o regurgitavam na superfície do mar. Mas continuou sua jornada em busca do cais perfeito. Ele ainda queria lançar sua âncora, em algum lugar, de onde nunca sairia...

Foram alguns meses de viagem, até que um dia, dormindo ele foi dar no litoral de um vasto território, repleto de arranha-céus que pintavam o quadro de cinza. Ali, ele ficou maravilhado com o diferente. Para ele, era como se tivesse saído da Antiguidade e saltado ao século XXI, em alguns poucos anos. Foi ali que, maravilhado, o andarilho amarrou seu barco numa tora, e ficou por alguns anos, até se cansar da vida na cidade grande.

Quando se deu conta de que ali não encontraria o que procurava, decidiu ir embora e procurar novamente. Ele já estava na casa dos cinquenta anos, mas a vida naquele lugar o imprimira na face mais uma dezena de anos... Foi então ao porto em que deixara a jangada. Ela não mais estava lá. Outros andarilhos a haviam levado. Tamanho desgosto o fez sentar-se, por longos instantes e chorar. A vida em alto mar o deixara ingênuo. A vida na cidade o roubara a chance de ser feliz.

Foi então que ele se atirou ao mar, nadou até desmaiar e ser carregado novamente à cidade. Por mais que tentasse, não conseguia sair dali. A modernidade o prendeu e não havia o que fizesse para se soltar. Alguns meses de tentativas depois, o andarilho desiste de procurar. Passa a viver sozinho, com uma família de plástico que encontrou na cidade.

Nunca mais sorriu.

Guilherme Ferreira Aniceto