terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Elisa, senhora direita

Imagem disponível em: http://buildingabrandonline.com/
Elisa é uma senhora direita. Não bebe, não fuma, não tem Facebook, nem Twitter. Não entende a Internet. Casada há algumas décadas, vive longe do marido. Ele trabalha no Centro-Oeste do país. Ela, no Sudeste. A filha do casal mora com ela.

Viviane é o nome da pequena. Tem 10 anos somente. Estuda como uma condenada a coitadinha. Elisa, sua mãe, é linha dura. Não a deixa brincar muito, para não dispersar sua atenção no que o mundo oferece. Como dito, é uma senhora direita.

O marido, Arnaldo, distante das duas, só sente saudade. Trabalha duro para que um dia possa tê-las junto a si. Está guardando dinheiro para comprar uma casinha, onde possa abrigar sua família. Elisa, a esposa, só pensa em sair de onde está. Não gosta da vizinhança, não gosta dos colegas de trabalho, não gosta de ninguém, exceto sua filha e seu marido. Deles ela gosta, porque é uma senhora direita.

Certo dia, Arnaldo liga para Elisa e lhe diz que é hora de reunirem a família. Que já sacou todo o dinheiro no banco e já comprou a casa. Que mal pode esperar por vê-las. Elisa, senhora direita, diz que ainda não. Quer que a filha termine o ano letivo antes, quer que a vizinhança não comente, quer deixar o contrato de aluguel vencer, quer vender o que não pode levar, quer fazer milhões de coisas antes de ir.

Elisa é uma senhora direita. Tem uma reputação a zelar. Tem compromissos a cumprir. Tem desculpas para não se unir ao marido. E tem sua zona de conforto, onde tem também medo e apego à segurança da distância. Arnaldo não sabe, mas provavelmente nunca terá Elisa e Viviane consigo. Afinal, sua esposa é senhora direita e nunca dobrou a esquerda.

Guilherme Ferreira Aniceto

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Originalidade


Imagem disponível em: http://www.cariacica.es.gov.br/wp-content/uploads/2015/01/carnaval31.jpg
Erica nunca gostou de Carnaval. Para ela, essa era uma data sem sentido. “Comemorar a alegria deveria ser coisa de todo dia”, costumava versejar. Naquele ano, no entanto, surgiu-lhe à mente uma ideia: “Minha fantasia será diferente da de todos os foliões e sairei no Bloco da Originalidade, serei a mais original da minha cidade!”. O bloco era um dos mais famosos do município, e competia todo ano com o Bloco da Imitação. Era uma brincadeira no Carnaval, que sempre foi animado na cidade de Erica.

O Bloco da Originalidade tinha de tudo, desde heróis dos quadrinhos até personagens da Disney. Todo ano era um desfile de fantasias exuberantes e/ou extravagantes. Mas Erica tinha planejado ter a fantasia mais distinta. E assim foi. Por onde passava na avenida, atraía olhares curiosos.

Os foliões a olhavam, ora maravilhados, ora espantados. Era uma fantasia esquisita, daquelas que no Carnaval ninguém ousaria vestir. Erica, no entanto, estava confortável com sua escolha. E não se importava com os olhares indiscretos em sua direção. “Estão todos surpresos com minha fantasia, eu sei e já sabia que assim seria, mas estou tranquila, feliz em vesti-la”, poetizava enquanto “sambava na cara da sociedade”, como diziam os outros foliões.

No Bloco da Originalidade, todo ano alguém levava um troféu, pela fantasia mais original. E naquele ano, não deu outra: Erica foi a premiada. Ao receber o prêmio, surgiu o questionamento: “Sua fantasia é original, é diferente, é extravagante, mas acreditamos que ninguém saiba ao certo de que você está fantasiada. Poderia nos explicar?”

Erica poetizou pela última vez naquela avenida: “Minha fantasia, meus caros, é original porque é única. Não visto aqui de um herói a túnica. Não visto o tridente de Netuno, tampouco o uniforme de um aluno. O que visto é uma roupa que encontrei em meu armário. Visto um cenário. Se querem mesmo saber, vim assim: fantasiada de mim.”

Guilherme Ferreira Aniceto