terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Interrompido


Até os treze anos, o mundo cabia nas páginas dos livros de histórias que devorava na biblioteca da escola e dos livros didáticos que digeria nos outros momentos.

Aos quinze, já ensinava a todos a tabuada, as propriedades dos logaritmos e das funções quadráticas, a resolução de problemas matemáticos complexos; já compreendia com detalhes as classes gramaticais, as regras de acentuação, o uso da crase, as funções sintáticas, as subordinações e coordenações; já sentia-se à vontade com todos os reinos dos seres vivos, com os órgãos do corpo humano, com as forças da natureza, com os fenômenos físicos e as reações químicas; já sabia citar e explanar os acontecimentos históricos mais importantes do mundo, bem como as formações geográficas presentes no planeta.

Todos o chamavam de Prodígio. "Lá vai meu Garoto Prodígio!", era o que os mestres diziam. Mas nada disso lhe deixava feliz. Ele nunca soube brincar. Nunca soube ser criança. Em algum lugar, todas as expectativas se perderam.

Aos dezoito, já tinha que trabalhar. Tirou de letra, pois apreendia as regras como ninguém.
Viveu uma vida toda sem viver uma infância.

Não se interessa por brinquedos de adultos. O sexo não lhe atrai, lhe dá calafrios. Somadas aos seus traumas e faltas, brincadeiras de gente grande lhe parecem pecados que o engolem.

A criança que adormeceu deseja acordar. Deseja, num suspiro, saltar às nuvens. Deseja correr debaixo da chuva, descer ribanceira sentada em tábua de madeira. Deseja brincar com a inocência.

Guilherme Ferreira Aniceto

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

O Natal de Jorge e Joana


Jorge e Joana acordaram animados naquela manhã. Dia 24 de dezembro é um dia que promete, sempre. Claro que ele esperava ganhar presentes. Mas ela, esperava ganhar presenças. Joana não via sua família há tempos. E não recebia um abraço do marido há alguns meses também. Suspeitava de traição, ou de que ele não mais nutria o amor que os havia unido. Ela tinha esperança de que a magia da data o fizesse relembrar do amor.

Joana passou o dia tentando alcançar Jorge. Fez o café da manhã, o almoço e a ceia com todo o capricho e do jeito que ele gostava. Aproveitou que nenhum dos dois trabalharia naquele dia para torná-lo agradável, um dia para os dois curtirem juntos. Jorge, ansioso, só pensava nos presentes que pela manhã receberia.

Papai Noel não apareceu, encontrou a chaminé entupida com a falta de diálogo e com a frieza. Joana deixou o marido naquela noite e foi para a casa da mãe. Ganhou as presenças que queria. Jorge, sozinho na manhã seguinte, correu aos pés da árvore de natal na sala. Nada, além de um bilhete, o esperava:

Estou na minha mãe.
Com amor,
Joana.

Que a magia do Natal nos faça perceber que o maior presente já nos foi dado. É nossa família a maior das riquezas. É pelo amor que vale a pena esperar. E são as pessoas os embrulhos mais bonitos.

Que depositemos aos pés das árvores de natal e dentro das meias penduradas nossos melhores sentimentos; e que nossos votos sejam pelo amor e pela união, pela solidariedade e pela amizade. Que deixemos de reclamar no ano que começará, e passemos a valorizar aqueles que nos fazem bem.

Que não nos tornemos Jorges, que valorizemos o amor e o diálogo em nossas vidas, nessa e em todas as outras épocas do ano.

Guilherme Ferreira Aniceto