terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Interrompido


Até os treze anos, o mundo cabia nas páginas dos livros de histórias que devorava na biblioteca da escola e dos livros didáticos que digeria nos outros momentos.

Aos quinze, já ensinava a todos a tabuada, as propriedades dos logaritmos e das funções quadráticas, a resolução de problemas matemáticos complexos; já compreendia com detalhes as classes gramaticais, as regras de acentuação, o uso da crase, as funções sintáticas, as subordinações e coordenações; já sentia-se à vontade com todos os reinos dos seres vivos, com os órgãos do corpo humano, com as forças da natureza, com os fenômenos físicos e as reações químicas; já sabia citar e explanar os acontecimentos históricos mais importantes do mundo, bem como as formações geográficas presentes no planeta.

Todos o chamavam de Prodígio. "Lá vai meu Garoto Prodígio!", era o que os mestres diziam. Mas nada disso lhe deixava feliz. Ele nunca soube brincar. Nunca soube ser criança. Em algum lugar, todas as expectativas se perderam.

Aos dezoito, já tinha que trabalhar. Tirou de letra, pois apreendia as regras como ninguém.
Viveu uma vida toda sem viver uma infância.

Não se interessa por brinquedos de adultos. O sexo não lhe atrai, lhe dá calafrios. Somadas aos seus traumas e faltas, brincadeiras de gente grande lhe parecem pecados que o engolem.

A criança que adormeceu deseja acordar. Deseja, num suspiro, saltar às nuvens. Deseja correr debaixo da chuva, descer ribanceira sentada em tábua de madeira. Deseja brincar com a inocência.

Guilherme Ferreira Aniceto

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