quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

A escolha de Carlos

Imagem disponível em: http://www.rft.com.br/news/tag/bifurcacao/. Acesso em 22 Jan. 2015.
Carlos encontrou Gilda. Gilda encontrou Carlos. Mas Carlos recebeu uma proposta para o trabalho que sempre quis, para o qual vinha se empenhando desde que se formou na faculdade.

Gilda tinha seu emprego dos sonhos no Sul de Minas. Carlos foi chamado para o Nordeste do ​Brasil ​(para Pernambuco, especificamente​)​.

Como Carlos diria à Gilda, que depois do encontro, viria o desencontro? Na cabeça dele, o amor deveria bastar para que ele ficasse em Minas e arranjasse um emprego por lá. Mas seu coração palpitava na dúvida. Era Pernambuco, era seu sonho. Era Gilda, era sua vida.

Carlos entendeu que a ​felicidade ​é um cobertor curto demais. Cobre os pés, descobre o peito. ​Cobre o peito, descobre os pés. Havia uma escolha a ser feita.

Gilda nunca soube da proposta ​de emprego. ​Carlos ​escolheu cobrir o peito e deixar que os pés de Gilda aquecessem seus pés quando estivesse frio.

Guilherme Ferreira Aniceto

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

"A Jamile sempre está certa"

Imagem disponível no link: http://hypescience.com/wp-content/uploads/2014/02/b2f42286-b464-4a0f-8447-302d799e81e1.jpg

"Querido diário,

Hoje, a Jamile me chamou de gorda. Ela me viu comendo o lanche que mamãe me preparou e me chamou de baleia. Disse que eu encalharia quando fosse à praia. Mamãe disse que nessas férias vamos conhecer a praia. Eu nunca vi o mar, mas direi a ela que não quero ir. Inventarei uma desculpa. Já sei: vou dizer que tenho tarefa para as férias. Assim, mamãe não fica zangada.

A Jamile sempre está certa. Um dia, a professora perguntou na turma quem tinha inventado o avião. Ninguém sabia, só a Jamile. Ela levantou a mão e disse "Santos Dumont". Todo mundo ia rir dela, mas a professora a deu uma estrela. A Jamile sempre está certa.

Outro dia, a merendeira perguntou quem sabia o que era aquilo que ela estava servindo. Eu nunca havia visto aquilo. E meus colegas também não. Só a Jamile sabia. Ela disse que era "arroz de forno". A merendeira deu a ela um sorriso. A Jamile sempre está certa.

A mãe da Jamile sempre prepara lanches gostosos para ela. Hoje, ela estava comendo salada de frutas. Ela me disse que é por isso que ela não encalha na praia. Ela só come frutas e verduras, só coisa que não a transforma em baleia. A Jamile sempre está certa. Eu joguei meu iogurte e o meu sanduíche no lixo.

Diário, eu sei que mamãe me quis assim, que quando nasci ela me olhou e disse que eu devia me chamar Isabela, mas eu queria ser a Jamile. Ela já foi muitas vezes à praia e nunca encalhou. Ela sempre acerta as perguntas da professora e da merendeira. A Jamile sempre está certa."

Guilherme Ferreira Aniceto

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Carol

Imagem disponível em: http://vinteumtrintaedois.blogspot.com.br/2011/08/flor-cabelos-cacheados.html
O nome dela é Carol. Não é Carolina, nem Carolaine, e nenhuma variação. Ela pouco se lixa para a certidão de nascimento. Só atende por Carol. Ela gosta de ter um nome que rime com o Sol, pois acredita em seu brilho. Gosta de ter um nome que rime com caracol, pois seus cabelos cacheados são a parte favorita de seu corpo. Só não gosta de rimar seu nome com futebol ou anzol. São duas coisas que prendem. E ela gosta de liberdade. Não que seja livre, mas sente-se livre quando pode escolher como ser chamada.

Carol é espevitada, e sempre foi. Quando criança, brincava na lama, na terra vermelha, no córrego próximo de casa, nas árvores que ainda existiam em sua rua, brincava de tudo que sua mãe detestava. Sempre foi rebelde, como diziam os adultos.

Na adolescência, fez uma tatuagem. Todas as meninas da escola tatuaram o símbolo do infinito. Era a moda. Carol não. Marcou em sua pele um ponto final, no dia seguinte à morte de sua mãe. Aprendera que tudo que é verdadeiramente bom um dia acaba. Nesse dia, ela foi Carolaine, como sua certidão mandava.

Hoje, Carol já tem seus vinte e tantos anos. E, novamente, pouco se importa com a certidão de nascimento. Ainda atende somente por Carol. Todos acham que é rebeldia. Mas não, Carol superou seu nome de batismo, superou a perda da mãe, superou a boa infância. Hoje, Carol significa um passo rumo ao ponto final, lembrança latente em seu pulso. Significa reduzir, igualar-se a outras Caróis do mundo.

Significa rimar-se com o Sol, rimar-se com caracol e até com anzol ou futebol. Carol entende que a vida é aquilo que a impede de ser livre para dar um novo abraço em sua mãe.

Guilherme Ferreira Aniceto